Thaís Pereira Reis, Formada em letras (Português e Literatura), professora há oito anos, começou a trabalhar com ensino primário. Após se formar em letras, passou a trabalhar com ensino fundamental dois e ensino médio, pós-graduada em Jornalismo Cultural e atualmente está cursando uma graduação em Serviços Sociais. Nesta entrevista, ela demonstra sua opinião sobre o preconceito e suas razões.

O que é o Preconceito para você?

Na minha opinião, o preconceito não é algo inerente ao ser humano, acho que ele foi construído.

O que leva você achar que uma atitude crítica se torna um preconceito?

Complementando o que eu estava falando, acho que é uma construção histórica. Usando o exemplo do preconceito racial, o racismo, ele é construído historicamente, nós não conseguimos muita das vezes ligar a atualidade com as coisas que passaram mas tem tudo a haver, o processo de escravidão, a exclusão do pobre para as periferias, tudo isso formou uma parte da sociedade marginalizada que é a que mais sofre preconceito, e no caso dos homossexuais, na minha opinião o preconceito vem pela religião, a idéia da "família convencional"(Homem e Mulher) é muito destacada, quando na verdade, para mim, o mais importante é a essência humana independente de gênero e acho que o ser humano ainda não está preparado para acompanhar isso.

Se o preconceito vem de uma influência social, somos um povo em que nosso objetivo é somente manter a tradição herdada de nossos ancestrais levando então a acreditar, que a aceitação de raças, gêneros e religiões está muito longe de nosso alcance. Qual sua opinião sobre isso?

Essa é uma pergunta difícil, mas acho que a sala de aula é um lugar apropriado para combater o preconceito, mas isso depende consideravelmente do professor, frequentemente observo que existem mais professores que reproduzem do que os que combatem o preconceito, justamente por ter uma “cabeça engessada” e preconceituosa. Eu procuro enxergar o ser humano como humano mesmo, então o gênero, a cor, os gostos e as escolhas são coisas muito particulares mas acho que nem todos conseguem enxergar desta forma.

O preconceito se estende em alguns conceitos, como o machismo. Você acha que devido a essa influência, a sociedade em si, não aceita a inclusão de outras opções sexuais? Por que?

Sem dúvida, até por que o machismo reproduz a idéia de que a mulher está em um nível inferior ao homem e a partir daí tudo que a mulher faz no sentido progressista, de subverter alguns valores e idéias, ela é tachada de alguma forma. Me lembro de quando foi criado o “Bloco das Mulheres Rodadas”, eu curti a pagina deles e quem via que eu curti a pagina se assustava, mas tudo isso tinha uma história, de uma pessoa que postou na internet “Eu não mereço mulher rodada”. Mas o que a sociedade chama de mulher rodada? A mulher que está em uma noite, conhece uma pessoa, “fica” com ela, ou seja, a mulher que faz exatamente o que o homem faz e então ela começa a ser chamada de “mulher rodada”, sendo desmerecida, como se ela não fosse digna de ter um namorado, um casamento, quando na verdade ela é só mais um ser humano experimentando coisas na vida.

Pra você, qual o pior tipo de preconceito existente? Por que?

Na minha opinião, todos os tipos de preconceitos são igualmente ruins.

Somos uma sociedade em que acusamos preconceituosos mas e você? Você já teve ou tem algum tipo de preconceito?

Vou falar de uma questão que de alguma forma eu sou preconceituosa, que tem haver com a minha área, que é a questão da linguagem. No primeiro bimestre, nós estudamos variações linguísticas e eu sou apaixonada quando conheço uma pessoa que é do interior ou que passou a vida inteira na roça, não teve instruções, eu acho muito engraçado a maneira com que a pessoa fala, mas eu acho bonito porque acho que aquele linguajar também revela simplicidade que é uma coisa que eu valorizo muito na minha vida e ao mesmo tempo, em outro contexto, eu tenho preconceito. Quando alguém escreve errado, quando fala alguma coisa, exemplo: quando eu fiz faculdade de letras, eu tinha colegas que iam apresentar trabalhos e falavam “A gente fizemos”, eu não sei se é porque é um outro lugar, mas a pessoa está fazendo faculdade de letras, já tem ensino médio, então me incomoda e isso me incomoda até para ter um relacionamento com alguém. E eu me cobro isso, porque sei que eu estou sendo preconceituosa, estou reduzindo o caráter da pessoa, o que ela é pelo nível de instrução dela.

É possível que o preconceito acabe?

Não sei se é possível que acabe, mas acredito em uma mudança, principalmente com a camada jovem.

Como você faria essa mudança?

Dentro da minha limitada ação social, que se dá mais na sala de aula pois não tenho tempo para militar fora, não sou adepta a nenhum partido político mas acho que minha militância seja dentro da sala de aula, que é fazer os alunos “desaprenderem”. Uma vez trabalhei um texto do Rodrigo Constantino, um homem de extrema direita que na minha opinião é um dos escritores mais preconceituosos que eu já vi e não merecia ser lido, mas eu queria que os alunos desconstruíssem a idéia que eles tinham e tinha certeza que quando acabássemos de ler o texto a maioria dos alunos iria concordar com ele, e foi o que aconteceu, noventa por cento dos alunos concordaram com o que ele estava falando, que o carioca tem um jeito malandro e que nós só conseguimos as coisas usando a malandragem e a partir daí, eu não comecei a impor idéias, fui fazendo os alunos pensarem em outras questões. Pra mim, eu acho que a infância é a fase mais importante pra que o preconceito acabe, porque geralmente a pessoa nunca vê o contrário. "Ah, meu filho vai ver dos homens se beijando, o que ele vai pensar?" A ação tem que ser totalmente inversa, se ele é criança, ele tem que começar a perceber o mundo de maneira múltipla, o mundo como um lugar de seres humanos, que não se limitam a homem e mulher. Se aquela pessoa hetero, aquela pessoa é bi, aquela pessoa antes de ser tudo isso é humana. Ela precisa ser vista dessa forma. Vou citar um texto do Luis Fernando Veríssimo. Ele fala sobre a questão das penitenciárias brasileiras, defendendo a idéia de que o tratamento dado ali é desumano, citando que: “Todo humano é humano, antes de qualquer outra coisa, inclusive um monstro". Então, se aquele homem estuprou, matou, roubou, ele é um monstro na sociedade mas antes de ser tudo isso, ele é humano. Então o que fez ele sair dessa posição puramente humano pra ser um monstro? Isso tem um motivo social muito forte que as pessoas não enxergam.

Você é a favor ou contra da quebra da tradição social? Por que?

Como você está falando sobre tradição, eu lembrei da questão da família. Não acredito que tudo deva ser rompido, por exemplo, existem valores que foram criados e vou falar de maneira muito pessoal sobre a minha família. Eu fui criada com meu pai e minha mãe, fui criada na igreja católica, hoje eu não sou católica, hoje eu tenho uma visão de mundo completamente diferente do que meus pais me ensinaram mas essencialmente eu guardo muitos valores que eles me deram. Valores de perdão, de solidariedade, até de não ter preconceito, só que aos poucos nós vamos estudando, conhecendo outras coisas e vamos formando melhor a nossa mente e ser crítico com a nossa própria religião e todas as outras coisas, e se tratando de família tradicional, que tantos políticos levantam a bandeira, eu acho uma grande bobagem porque eu acredito na família homossexual, que não é formada por um homem e uma mulher mais que pode ser formada por duas mulheres ou dois homens. Nós vemos que muitas crianças são rejeitadas por casais heterossexuais e muitas vezes são acolhidas ou tentam ser acolhidas por um casal homossexual que vai dar todo o amor e todos os valores que essa criança precisa.

Para Terminar a entrevista, um bate-bola com apenas uma palavra:

Homossexuais, nascem ou escolhem? São.

Cristianismo, essencial à cultura? Não.

O meio influência um ser, é correto quando se diz respeito ao menor e a favela? Sim.

E finalizando, a entrevistada incrementa com uma breve citação:

Todas essas questões me interessam pelo fato de serem assuntos sociais, eu lembrei agora uma frase que é importante até pra refletir. É do livro “Dom Quixote” do Miguel de Cervantes, a idéia central do livro é você ter sonho, acreditar que são possíveis as utopias. Falando fora do livro, as utopias sociais. Tem um momento no livro que ele cita pro amigo Sancho: “Mudar o mundo Sancho, não é utopia, é justiça.”

Matéria por Fabrício Nunes, revisada por João Marcos.