Nas últimas semanas vem circulando pela internet informações e denúncias de supostos casos de violências, exploração sexual e tráfico de menores de idade na Ilha de Marajó. No entanto, o governo trata os episódios citados como atuação das chamadas 'redes de desinformação'.

  Hoje, o Intercultural News irá te apresentar o panorama completo do assunto e levantar uma importante questão: Por que a pobreza é o principal meio de disseminação das fake news?


Foto: Reprodução Agência Brasil

O que são fake news?

  Após a invenção da internet houve uma profunda alteração na maneira de se comunicar, até chegar na forma como é hoje. As informações outrora repassadas por cartas, hoje têm a capacidade de serem disseminadas com a velocidade de um piscar de olhos. Sejam elas verdadeiras ou não.

  E é isso o que acontece. Conteúdos vêm sendo compartilhados (independente do canal de comunicação) cada vez mais de formas falsificadas, não validadas e/ou pouco claras, com o intuito de afastar o cidadão da verdade.

O termo, com tradução literal para 'notícias falsas', tem o objetivo de deturpar a visão da sociedade a respeito de algum assunto e ninguém está totalmente protegido de sofrer com as suas consequências.

Fake news e a pobreza

É de conhecimento geral os atos de inviabilização de minorias, sejam elas quais for. Contudo, ao se tratar de pessoas de baixa renda, os estigmas e esteriótipos já estão tão difundidos na cultura e sociedade brasileira, que o processo excludente (pelo poder público e pela sociedade civil) se torna comum e a demonização se torna banal, fazendo com que todo o informe sobre essa parcela de pessoas seja levado como único e verdadeiramente absoluto, sem que haja uma análise criteriosa dos casos.

Esta lógica contribui para a perpetuação de pensamentos preconceituosos e disseminação de notícias falsas sobre povos socioeconomicamente vulnerabilizados, que quando não estudadas com cuidado, podem se tornar uma grande 'bola de neve'.
Esse é o caso da Ilha de Marajó, envolvida em notícias falsas nas últimas semanas. Notícias essas que precisam ser esclarecidas.

O que está acontecendo na Ilha de Marajó?

  Pobreza e exploração de famílias e crianças pobres existem a muito tempo, em todo o território brasileiro - e fora também -. Apesar disso, os temas apenas se tornaram de grande relevância para os cidadãos brasileiros após uma apresentação musical em um reality gospel, em fevereiro de 2024.

  Aymeê Rocha é uma das responsáveis por trazer as pautas de volta à mídia. A cantora e compositora viralizou nas redes ao apresentar, em um reality show, uma música autoral chamada de 'Evangelho de Fariseus', em que denuncia a exploração sexual de crianças na Ilha de Marajó (PA). Quando questionada sobre a letra, Aymeê deu a seguinte declaração:
Marajó é uma ilha a alguns minutos de Belém, minha terra. E lá tem muito tráfico de órgãos. Lá é normal isso (...) Marajó é muito turístico, e as famílias lá são muito carentes. As criancinhas de 6 e 7 anos saem numa canoa e se prostituem no barco por 5 reais.

Diante da repercussão da denúncia, figuras públicas de vários nichos começaram a se pronunciar sobre o tema. Algumas, como o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, cobraram que as autoridades apurassem as denúncias, reforçando o teor duvidoso das mesmas:
"Solicitei à AGU que avalie a tomada de providências legais diante de mais uma tentativa de vincular Marajó ao grave problema do abuso e exploração infantil. É preciso saber a quem interessa a divulgação de mentiras sobre a atuação dos governos na região" - Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e Cidadania.

Mesmo que tenha conseguido atenção somente agora, o caso da Ilha de Marajó não é tópico novo.
Há mais de uma década, a situação das crianças que vivem no arquipélago é exposta e inevitavelmente, relacionada às campanhas de desinformação.

  Arquivos indicam que a exploração sexual de crianças e adolescentes na ilha são discutidas a anos. Matérias no site 'Folha de São Paulo' e 'Senado Federal', datados no ano de 2009 e 2008, respectivamente, relatam a realidade vivida pelos marajoaras na época e apontam denúncias feitas desde o ano de 2006.

  Anos depois, em 2019, foi criado o programa 'Abrace Marajó', pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, ele tinha o objetivo de facilitar o acesso aos direitos humanos da população que vivia no local. O projeto, liderado pela ex-ministra Damares Alves - que mais tarde estaria envolvida em diversas polêmicas ao redor do assunto -, era duramente criticado pelas entidades da região que se referiam a ele como "entrega de cestas básicas". E é aí que começa uma grande onda de notícias falsas.

Um ano depois, Damares menciona durante um culto que a Ilha de Marajó estaria envolvida em mutilações e tráfico de crianças para a exploração sexual. Ao ser investigada, a ministra declarou que as denúncias se baseavam em relatos, e que não havia provas a serem apresentadas. Sua fala foi considerada propagação de fake news, e foi exigido retratação pública e uma indenização de R$ 5 milhões por danos sociais e morais à população do arquipélago.

  Retornando aos dias de hoje, como dito anteriormente, o caso tomou grande proporção no ano de 2024. Notícias sobre a exploração na ilha de Marajó foram divulgadas em diversos meios de comunicação, e consequentemente vinculadas com informações falsas, causando revolta e pânico à uma grande parcela da sociedade, principalmente on-line. Foram divulgadas informações e vídeos que supostamente teriam sidos gravados em Marajó. Esses materiais, segundo o governo, é falso.

No entanto, este alvoroço serviu para que as pessoas tomassem conhecimento do que acontece no arquipélago paraense, mesmo que de maneira turva e inconsistente.

  Atualmente, a iniciativa Cidadania Marajó, criada após pesquisas do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, para enfrentar os problemas enfrentados pelo arquipélago é quem atende a região, desde maio de 2023.

Pobreza, exploração infantil e a Ilha de Marajó
  É importante ressaltar que o aliciamento e a exploração de crianças e adolescentes existe no mundo inteiro. É um problema cultural e social que não é exclusivo da Ilha de Marajó ou do Brasil.

Por esse motivo, pode-se notar a presença da violência contra o menor - independente da sua representação -  em diversos municípios brasileiros.

  Contudo, ela segue um padrão. Coincidentemente, ou não, os índices de exploração infantil e aliciamento de menores são altíssimos em lugares mais pobres. Tendo como exemplo, segundo o MPF, o estado do Pará registra uma média de cinco casos de abuso e exploração sexual infanto-juvenil por dia, número acima da média nacional. Justamente o caso dos municípios que formam o arquipélago de Marajó.

Os alvos são locais onde a população vive a mercê de uma vulnerabilidade socioeconômica gigantesca. Por exemplo, juntos, os municípios de Marajó possuem o menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil! São locais em que as comunidades geralmente passam fome e não têm acesso ao básico para ter uma vida digna. Em função disso, são vistos como 'presas fáceis'. Pessoas que não têm acesso à comunicação são pessoas não vistas, são pessoas esquecidas. Portanto, são vítimas convenientes das fake news, seja a favor de partidos políticos ou pelo simples prazer de espalhar a desinformação.

Considerações finais
  Após a leitura, a equipe Intercultural News espera que você tenha compreendido, pelo menos um pouco, sobre a realidade da Ilha de Marajó. Ocorre sim, há anos, casos confirmados de exploração e tráfico infantil, mas nem tudo que se vê na internet é verdade. É preciso filtrar e examinar as informações antes de compartilhá-las.
As fake news afetam até mesmo a atuação dos órgãos responsáveis na localidade.